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A Norma Matriz de Incidência Tributária e sua Interface com o Direito Penal Econômico

  • Foto do escritor: Maíra Brito
    Maíra Brito
  • 30 de ago.
  • 4 min de leitura

A atuação estatal nos campos do Direito Tributário e do Direito Penal Econômico está cada vez mais interligada. Em tempos de globalização financeira, estruturações empresariais sofisticadas e movimentação transnacional de capitais, torna-se imprescindível compreender a base dogmática da obrigação tributária para identificar desvios que podem culminar em responsabilização penal.

Neste artigo, apresentamos uma análise detalhada da Norma Matriz de Incidência Tributária (NMIT), seguida de uma exploração de como seus elementos são manipulados em crimes econômicos, para além da clássica sonegação ou lavagem de dinheiro.

1. O que é a Norma Matriz de Incidência Tributária?

A Norma Matriz de Incidência Tributária (NMIT) é um modelo teórico desenvolvido especialmente por Paulo de Barros Carvalho, com o objetivo de descrever a estrutura lógica e abstrata das normas que instituem tributos.

Ela é composta por dois blocos fundamentais: hipótese de incidência e consequente jurídico. Essa divisão segue a lógica condicional "Se... então...": se um determinado fato ocorrer (hipótese), então surge uma obrigação tributária (consequência).

1.1 Hipótese de incidência ("o fato gerador em sentido estrito")

  • Critério material: é o comportamento ou situação fática que está prevista na norma tributária e que, quando ocorre, desencadeia a obrigação de pagar o tributo. Exemplos: vender mercadorias, prestar serviços, importar produtos.

  • Critério espacial: determina o local geográfico onde o fato gerador deve ocorrer para que o tributo possa ser exigido. Esse critério se relaciona diretamente com a competência tributária (União, Estados, Municípios ou DF).

  • Critério temporal: refere-se ao momento exato em que o fato gerador ocorre, fixando quando a obrigação tributária nasce.

1.2 Consequente jurídico ("a obrigação tributária")

  • Critério pessoal: identifica os sujeitos da relação jurídica tributária. O sujeito ativo é o ente público com competência para instituir e cobrar o tributo; o sujeito passivo é o contribuinte ou o responsável tributário.

  • Critério quantitativo: compõe o montante devido, por meio da base de cálculo (valor sobre o qual incide o tributo) e da alíquota (percentual aplicado).

Esse modelo, ainda que teórico, é essencial para avaliar a legalidade da cobrança de tributos e serve como base para identificar distorções que podem caracterizar condutas criminosas.

2. Quando o critério espacial corresponde à União?

O critério espacial é determinante para definir qual ente federativo tem competência para instituir e exigir o tributo. A Constituição Federal, no artigo 153, elenca os tributos de competência da União.

Esse critério será federal quando o fato gerador:

  • Ocorre em âmbito nacional ou transnacional;

  • Refere-se a operações financeiras, comércio internacional ou renda;

  • Envolve bens, serviços ou pessoas sujeitos à regulação federal.

Exemplos de tributos federais:

  • Imposto de Renda (IRPF e IRPJ): incide sobre a renda auferida por pessoas físicas ou jurídicas, no Brasil ou no exterior, desde que o beneficiário tenha residência fiscal no país.

  • IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados): tributa a saída de produtos industrializados, independentemente do Estado.

  • IOF (Imposto sobre Operações Financeiras): alcança operações de crédito, câmbio, seguros e títulos financeiros em qualquer lugar do país.

  • II e IE (Importação e Exportação): incidem quando produtos entram ou saem do território nacional.

Esses tributos têm o critério espacial na esfera da União, pois envolvem fatos com repercussão que ultrapassa os limites estaduais e municipais.

3. Crimes financeiros e sua relação com os elementos da NMIT

O Direito Penal Econômico se ocupa da repressão de condutas que afetam o funcionamento regular da ordem econômica. Diversos crimes não configuram sonegação fiscal clássica, mas ainda assim envolvem distorção intencional de elementos da NMIT.

3.1 Fraudes estruturadas e simulação

Essas fraudes envolvem criação de realidades artificiais para esconder o verdadeiro fato gerador do tributo, como uso de empresas de fachada, laranjas ou contratos simulados.

  • Critérios violados: material (simula-se que não ocorreu o fato gerador) e pessoal (oculta-se o verdadeiro contribuinte).

  • Crimes relacionados:

    • Falsidade ideológica (art. 299 do CP)

    • Organização criminosa (Lei 12.850/13)

    • Crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90)

3.2 Planejamento tributário abusivo

É a utilização de estruturas jurídicas formais e aparentemente lícitas, mas sem propósito econômico válido. Um exemplo comum é a criação de uma holding familiar apenas para reduzir tributação sobre lucros.

  • Critérios violados: material e pessoal (finge-se outro tipo de relação jurídica), podendo afetar o critério espacial.

  • Riscos penais: quando fica evidente a intencionalidade fraudulenta, pode configurar dissimulação patrimonial ou fraude contra credores.

3.3 Uso de offshores

Empresas constituídas fora do país, geralmente em paraísos fiscais, com o objetivo de ocultar ativos, lucros ou o verdadeiro beneficiário.

  • Critérios violados: espacial (simula-se que a operação ocorreu fora do país) e pessoal (oculta-se o sujeito passivo).

  • Crimes relacionados:

    • Lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98)

    • Evasão de divisas (Lei 7.492/86)

3.4 Subfaturamento e superfaturamento em operações internacionais

  • Subfaturamento: declarar valor menor nas exportações para remeter lucros não tributados ao exterior.

  • Superfaturamento: inflar valores em importações para remeter recursos disfarçadamente.

  • Critério violado: quantitativo (base de cálculo).

  • Crimes associados:

    • Falsidade documental

    • Evasão de divisas

    • Lavagem de capitais

3.5 Preços de Transferência e elisão agressiva

Multinacionais podem manipular os preços cobrados entre filiais de diferentes países, com o objetivo de deslocar lucros para jurisdições com baixa ou nenhuma tributação.

  • Critérios violados: quantitativo (base de cálculo) e pessoal (quem recebe o lucro).

  • Possíveis crimes:

    • Sonegação fiscal qualificada

    • Lavagem de dinheiro

    • Crimes contra o sistema financeiro

Considerações finais

A Norma Matriz de Incidência Tributária é muito mais que uma abstração acadêmica: ela é uma ferramenta essencial para entender como o sistema tributário funciona e como ele é manipulado em condutas criminosas complexas.

Ao identificar qual elemento da NMIT está sendo burlado, é possível diagnosticar com clareza onde está o vício, o dolo e o possível ilícito penal. Essa abordagem interdisciplinar entre Direito Tributário e Penal Econômico é indispensável para combater crimes sofisticados que ameaçam a arrecadação, a justiça fiscal e a ordem econômica do Estado.

Autor: Maíra Bandeira de Brito Especialista em Direito Digital e Penal Econômico Instagram: @mairabrito.advoga

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